Espere
um pouco, vamos conversar algo mais, porque
tenho medo de me perder no esquecimento e na frieza
das distâncias.
Não
faz muito nós nos encontrávamos,
o senhor sorrindo sempre, nos passos
trôpegos, rumo ao Ataliba, às compras, à
igreja. Como lhe pesava a carga dos anos e os
cabelos brancos como não marcavam
o inexorável!
Espere.
Sei que continua sorrindo do lado de lá, como
se nos desse um quinau, mas quero fixá-lo
nesta sua estica: bengala, chapéu de feltro,
fatiota domingueira. Quero vê-lo ainda naquela mansidão
de pai terno, camisa manchada de café, sapecada
de cigarro de palha.
Escute:
quando subia, carregando o seu caixão,
murmurei-lhe: "Puxa: o senhor está pesado!"
E não é de ver que julguei escutá-lo
ligeiro: "Chegará o seu dia..."
Fora
de brincadeira: o senhor estava sério e solene
no último sono. Deve ter sido um acontecimento
importante para se manter naquela
gravidade, tão distante, tão alheio. Que
mistério! Será por isso que o percebo
assim, rindo de nós, senhor da eternidade?
Há
certas passagens, tio, que a gente não
esquece. Menino ainda, órfão
de pai e mãe, dividi com o
Hélio a sua bondade.
O senhor certamente não se lembra... são
bagatelas, mas veja: naquele tempo
havia o cartório do Domingo Gomes, à frente
do qual se invadia a rua com cadeiras e conversas
espichadas. O Hélio e eu enfrentávamos
a diversão dos grandes e cavalgávamos, um ao
lado do outro, suas grossas pernas, para, no final,
surrupiarmos os duzentos réis, o quatrocentão
das velinhas ou dos picolés.
O
senhor se lembra do velho Lenza? Ele já estava
sem pernas e mesmo assim recebia os ingressos do "Éden
Ipamerino". Pois o senhor tinha um
jeito danado de nos embolar e levar o velho de roldão,
para assistirmos às "fitas" do Waldemar Ceva.
Mas
o senhor já vai embora? Vou-me também. O papel
recebe tão pouco, o jornal é pequenino e há
muitos a entesourar à margem do eterno... Já
vai, não é? Leve, ao menos, este abraço.
José
Bernardino da Costa
10/11/70