A
Ipameri da "Sala de Visitas de Goiás", na
primeira metade do Século XX, carrega saudades da vida
altiva e dinâmica. A maioria da população
atual não viveu e não tem lembranças
dos encantos da Ipameri daquela época. Este é
um registro sentimental de fatos, feitos e personagens. Alguns
presentes, outros persistem no carinho de nossa memória
de um tempo distante. Tempo de orgulho, honra e de glórias,
prestes a reeditar-se!
Lembrar-se
da "hora do trem" quando aportavam aqui passageiros
de todo o País, em 4 composições diurnas
e noturnas. Os trens de baixo chegam de São Paulo e
Minas, e os trens de cima, do norte do Estado, via Anápolis
e Goiânia. Charretes com o trotar dos poltros e buzina
estridente transportam passageiros da Estação
aos hotéis, às pensões e ás famílias,
além conduzir as "senhoras de vida fácil",
sua maior clientela. Recrutas e soldados verde-oliva descem
e sobem a Avenida da Estação, a cada trem que
apita nas curvas de chegada. À espera do sinal de rádio,
o gigante Pérsio Pedroso de Moraes aguarda o pouso
das aeronaves da Vasp, da Viabrás e da Real Aerovias,
no aeroporto, toda semana, rumo a Goiânia, Uberlândia,
Uberaba, Ribeirão e São Paulo.
Concorridos
passeios, mergulhos e pique-niques na "Linha-de-tiro"
do Batalhão, aberta ao público civil nos domingos
e feriados, só são lazer e alegria. Portentosos
bailes e carnavais de salão e de rua promovidos pelo
Umuarama e o Jóquei, em saudável concorrência,
disputam hegemonia. Isto, sem falar dos músicos da
"Jazz Band Santa Cruz", dos bailes de sábado
e do bloco carnavalesco do Zé Pereira organizados pelo
Clube da Liga Operária.
Depois
do dia de trabalho, do apito das fábricas, dos clarins
do Quartel e dos sinos da Igreja, à noite, -- enquanto
aguardam a sirene do cinema, cumprimentam o porteiro seu Pílade,
anos depois, o Baiano revisteiro -- moças e rapazes
encontram-se na Praça da Liberdade. No passeio, as
damas num sentido, no outro, cavalheiros acotovelam-se na
disputa de olhares e sorrisos, a paquera básica de
todos os dias. Depois da missa das nove, celebradas pelo Padre
Domingos dos sermões, procissões e barraquinhas
memoráveis, depois das "matinées",
do cinema é hora das "soirées" sofisticadas,
em traje "passeio completo" no Jóquei Clube,
ao som de sambas e mambos, rumbas, boleros, fox, blues.
As
indústrias e comércio renomados: fábricas
de calçados a Santa Cruz e a Santa Cecília,
dos Leyser e do Bevignatti, as do Augusto Diogo e do Lino
Galli. As Charqueadas dos Santinoni e dos Leyser. As fábricas
de manteiga dos Daher e dos Edreira, o curtume dos Bonach,
os Valle e os Malshistz das serrarias e madeireiras, os Genaro
e sua Fábrica de Móveis Cruzeiro; os ladrilhos
coloridos do seu Habib Mussi. As olarias dos Troncha e dos
Rabelo; as construções do Zé Rocha, os
projetos do Waldemar Ceva e o inseparável Carlos Mesack
das jóias e relógios. A Empresa de Força
e Luz dos Irmãos Vaz Lopes. Diversas máquinas
de beneficiar arroz, café e feijão: do Zé
David Cosac, do Henrique Neves, do Barbahan, dos Afiune e
a dos Roque, Edreira & Cia. com a sua Casa Bancária,
1o banco particular local, são todas elas empresas
representativas da Ipameri, de então.
As
Lojase Riachuelo, Pernambucanas; as concessionárias
Ford dos Cosac e Chevrolet do Firmo Ribeiro e seu avião
particular estacionado no aeroporto. Os atacadistas Irmãos
Cecílio, Irmãos Machado, Irmãos Alves.
Os Fírveda da Casa Lealdade, Os Rosemberg da Casa Confiança,
os Basílio, os Farah e o Paulo Sugai. Os Chadud, os
Grattoni, os Abdalla, os Simão. As farmácias
do Múcio Vaz, do Zauro Estrela e do Randolfo Carneiro.
O seu Daniel Lichstein da manteiga de leite e o Waltinho Schmaltz
do cinema. Os fotógrafos Henrique Lang e o Carretinho
Mohn. Os Marot, os Esteves, os Lourenzo, os Lenza, os Balzani,
os Gebrim. As lojas do seu Doé, do seu Jacinto, do
seu Wadi Mereb e a do Miguelinho Bechara Daher. As elegantes
A Caprichosa e o Rei dos Tecidos. O bar do Carlos Alemão
agita galinhadas noite adentro; o bar do Elias Quinan, o do
Avenir. As casas de encontros da Rosa, da Zica e da Tereza
Fenemê. Soam nas serestas os acordes do bandolim do
Zerrinha Basílio e sua voz suave. Canta o vozeirão
do Alberto Lostracco ao decolar com seu teco-teco ou seu Cesna,
em vôos rasantes ao por do sol.
Inúmeras
oficinas, lojas de tecidos, aviões particulares, jardineiras,
charretes e automóveis de aluguel e de passeio e jornais
semanais permanentes, são parte integrante da paisagem
e ambientes urbanos. A maioria expressiva de industriais,
comerciantes e homens de negócio ou são os patrícios
vindos de outros estados, ou os oriundos da Europa e do Oriente
Médio, aqui chegados com a estrada-de-ferro e a energia
elétrica do Dr. Aristides Lopes. Estabelecem-se e se
transformam em exemplos marcantes de iniciativas e da febril
atividade econômica no Município. Sem dúvida,
são todos os grandes responsáveis pelo progresso
e desenvolvimento exuberantes aqui experimentados outrora.
O influente
Ginásio Estadual de Ipameri, fundado pelos árabes,
hoje CEPEM, com seus professores competentes formam jovens
preparados: o Professor Mancini, o Geraldo, o Zuzu, o Benildo;
a D. Carmita, a D. Rafa, a D. Hellê, D. Simone, D. Enna
e D. Catarina. O Colégio das Irmãs, missionárias
de Campinas, com a Irmã Benedita, Ir. Alaíde,
Ir. Jocely, Ir. Angélica e as oblatas, Ir. Orminda
e Ir. Josefa; do Professor José Pio Santana, pracinha
da 2a guerra e fundador do Colégio Brasil Central,
plantam cultura, marcam a educação. Todos os
professores dos colégios promovem ensino de nível
excelente e exportam estudantes que brilham em concursos lá
fora. Difundem cultura diversificada em música erudita,
sacra e popular, em religião, ética, moral e
civilidade, artes plásticas e cênicas, prática
esportiva, poesia e literatura. Atraem para suas salas estudantes
da região, inclusive contabilistas, normalistas e as
alunas internas no Colégio N.S. Aparecida, motivo de
sonhos, fantasias e romances imaginários da rapaziada
apaixonada.O interventor Dr. Gomes da Frota, os filhos e sua
Clínica Frota, hoje S. Maria, e a Associação
de Amparo à Maternidade e à Infância de
Ipameri fundada pelo Dr. David Cosac, o atual Hospital S.Paulo,
prestam serviços de saúde com qualidade e, ambas,
se tornam referência regional incontestável.
Raras vezes se exportam doentes a outros centros de maiores
recursos.
No
Jóquei Clube, fundado e liderado pelos Leyser, reúne-se
a fina flor da sociedade ipamerina. Marcam época os
cavalos puros-sangues, o turfe e as apostas dominicais, no
hipódromo engalanado. Suas pomposas festas de aniversário,
as juninas, os "réveillons" e os carnavais
tornam-se o "point" da mais distinta sociedade goiana.
Os bailes e as "soirées" domingueiras; os
campeonatos de duplas de tênis com seus campeões
José e Zulmira Santinoni e Nilson e Maria Edreira Neves.
Os campeonatos de basquete, com o Adair, o Elmo, o Lumão,
com o Ivan Frota, pianista e Brigadeiro que chegou a candidato
a Presidente da República; com o Jarinha, o Bira, o
Radar; com a Hanelore, a Miss Kate, a Nena, a Norma e a Irene
Edreira, e tantos outros e outras, além dos craques
do nosso futebol: seu Bolívar e o seu Aquelino, o Pirola,
o Gabina, o Cavu, o Anu Branco e o Walter Edreira exportado
para o S. Paulo Futebol Clube na Paulicéia, chegou
a ser indicado para a Seleção Brasileira de
Futebol. Times esportivos que ultrapassam nossos limites estaduais
e promovem a cidade, sem falar do veterano Clube do Truco
e dos campeonatos de Pif-Paf, Caixeta, Buraco, Sinuca e de
Ping-pong, além da disputa acirrada nas corridas de
cavalos com Paracatu e cidades mais próximas com hipódromos.
O 6o
Batalhão de Caçadores associado às escolas
primárias e secundárias é o difusor da
nacionalidade e do patriotismo. Relaciona a cidade e a população
com todo o País, através de idas e vindas de
oficiais, suas famílias e praças, para todos
os estados ou por trem, ou avião, ou de carona nos
aviões do Correio Aéreo Nacional. O Batalhão
de 800 homens garbosamente desfila com oficiais estrelados,
cavalaria com flâmulas, soldados e praças embandeirados,
estandartes, banda de música e máquinas de guerra,
no Dia da Pátria. Organiza treinamentos e simulações
de guerra na "Linha-de-tiro", campeonatos na praça
de esportes olímpicos e recepções no
pomposo Cassino dos Oficiais. No Quartel, ostenta-se o orgulho
da participação honrosa de seus pelotões
na 2a guerra mundial.
Por tudo isso
e muito mais, Ipameri recebeu o aposto de Sala de Visitas
de Goiás, primeira cidade do Estado a possuir energia
elétrica, a primeira agência do Banco do Brasil
em Goiás, o primeiro cinema, primeira rede de telefones,
o primeiro jornal, a mais bela Igreja do Estado, idealizada
e construída pelos Padres espanhóis Teófilo
e Laurentino, e tantas outras particularidades que distinguem-na
como um dos berços culturais de Goiás, nosso
orgulho.
Após
a decadência, deliberada politicamente, nos passados
anos sessenta, com a cidade ilhada, marginalizada do desenvolvimento
nacional, exige-se esforço titânico para reconquistar
benefícios e obras de infra-estrutura que permitissem
a retomada do desenvolvimento econômico e cultural.
Possível, só então, a partir dos anos
oitenta, ao conquistar representação ipamerina
na Assembléia Legislativa. Iniciam-se obras novas de
infra-estrutura: estradas e pontes vicinais e regionais, comunicações,
energia rural e urbana, rodovias e bairros asfaltados. Benefícios
que outra vez - como no início do século passado
a estrada-de-ferro e a energia o fizeram, - possibilitam instalarem-se
agricultura mecanizada, tecnologia na pecuária e comércio
de porte, novas indústrias, além de universidades...
Reeditam-se, pois, pré-condições
e condições para o desejado desenvolvimento
sustentável em nosso Município. É enfrentar
os desafios da prática política local, única
responsável por acertos e desacertos. Reconhecer aventureiros
e paraquedistas da oportunidade, os transeuntes do nada, inconseqüentes
e descomprometidos com a nossa comunidade, com o nosso futuro,
com a nossa História. Estimular e receber empreendedores.
Receber, isto sim, os críticos/criadores, arautos do
Novo, o Novo que modifica, transforma e acrescenta.
Esta
é a questão! Este o novo desafio!
Precisamos
de futuro é agora!
Ramón
H. E. Neves